Fonte: Reuters

Períodos de tragédia sempre suscitam a reflexão entre os limites do oportunismo e da oportunidade de contribuição. E essa tem sido a minha reflexão desde o dia 07 de outubro, quando se iniciou o triste conflito entre Israel e o Hamas[1]: devo ‘aproveitar’ o conflito para falar sobre a ciberguerra? Isso seria oportunismo de minha parte ou uma oportunidade de contribuir com a discussão?

Alguns dias passados do início de guerra e com a enxurrada de informações e desinformações sobre o assunto que todos nós temos recebido, tornou a minha escolha mais fácil e clara.

Em verdade, o que me trouxe para essa conversa foi a falta de discussão sobre o tema ciberguerra nas notícias dos últimos dias. Mais do que isso, foi a grande escalada da ciberguerra em um período tão curto de tempo e espaço, algo inédito para a história contemporânea.

Isso decorre do fato de a ciberguerra ser “um fenômeno novo, complexo e multifacetado”[2]. E quando dizemos novo, é muito recente mesmo. Pode-se dizer que a primeira ciberguerra declarada foi o conflito entre Ucrânia e Rússia, iniciado em fevereiro de 2022, já que neste confronto – em andamento – podemos observar dois Estados gerando e recebendo “grandes repercussões no ambiente cibernético” decorrentes de uma guerra.

Apesar desta ‘novidade’ tática no conflitos entre Estados e nações[3], chama a atenção a rápida escalada desta técnica na guerra entre Israel e o Hamas. Chama mais a atenção ainda os impactos desoladores que a ciberguerra está deixando nos últimos dias.

Todos na mesma página: o que é uma ciberguerra?

Antes de entender o que é uma ciberguerra, é importante compreender o conceito de ciberespaço. De acordo com Lévy (1998), o ciberespaço é o “universo das redes digitais como lugar de encontros e de aventuras, terreno de conflitos mundiais, nova fronteira econômica e cultural”[4].

Ou seja, o ciberespaço é o mundo da rede de computadores, de maneira que esse ‘lugar’ se refere tanto ao mundo virtual – como a internet – quanto ao mundo físico – como a infraestrutura de redes, por exemplo.

Neste sentido, podemos conceituar a ciberguerra como o conflito que ocorre no ciberespaço. De maneira mais papável, são exemplos de confronto cibernético tanto o ataque de DdoS que os sistemas de avisos israelitas, Red Alert (Tvzam Adom) sofreram menos de uma hora depois do lançamento de mísseis do Hamas, quanto a onda de desinformação que tem sido provocada pelo dois lados do conflito nas redes sociais.

Como a ciberguerra acontece na prática?

Em junho deste ano, em palestra na Bsides SP, apontei que a ciberguerra tem se estruturado em 04 pilares centrais na atualidade:

  1. Disseminação do caos – através de ataques físicos às redes de infraestrutura de um Estado ou Nação, como, por exemplo: a rede comunicação, de transporte e de energia;
  2. Sabotagem dos sistemas – através de ações maliciosas para comprometer sistemas, como ataques hackers para derrubar sites ou aplicativos – governamentais ou privados;
  3. Promoção de Fake News – através da geração de desinformação de forma ágil, eficaz e com a intenção de confundir ou distorcer os fatos, o que gera uma guerra de narrativas nas redes sociais, por exemplo;
  4. Espionagem cibernética – vazamento de informações confidenciais com a intenção de se obter vantagem estratégica no conflito, de modo que este vazamento pode ser público ou privado, por exemplo, um hacker acessando dados confidenciais militares do seu inimigo e compartilhando isso com seus companheiros de guerra para antecipar um estratégia de ataque.

Um aspecto curioso que pode ser apontado é que um ataque cibernético na maioria das vezes não é “high tech”, ou seja, não exige uso de alta tecnologia, pois ainda se observam muitas falhas elementares na proteção do ambiente cibernético.

Por exemplo, no conflito entre Ucrânia e Rússia o sistema de controle de tráfego ferroviário da Bielorrússia – aliada da Rússia – foi um fácil alvo de hacktivistas pois adotava como sistema operacional o Windows XP, um sistema de mais de 20 anos e que é muito desatualizado para os dias atuais. Isso tornou toda a infraestrutura da malha ferroviária da Bielorrússia criticamente vulnerável e fácil de ser explorada pelos inimigos russos, o que de fato aconteceu.

Por que precisamos falar sobre os riscos humanitários de uma ciberguerra?

As guerras são naturalmente conflitos irracionais e que trazer impactos devastadores para a humanidade. Por conta disso, o Direito Internacional Humanitário busca proteger a ordem moral e humanitária através de regras que devem ser respeitadas por Estados ou Nações em conflitos.

São essas regras: i) a distinção entre civis e militares; ii) a proibição de atacar quem está fora de combate; iii) a proibição de causar sofrimentos desnecessários e iv) o principio da necessidade e proporcionalidade no uso da força[5].

O que observa no conflito atual entre Israel e o Hamas é que a ciberguerra tem infringindo essas regras básicas. E isso se dá em diversas esferas.

A mais evidente de todas é a promoção da desinformação que tem atingido a civis de todas as nações, causando pânico e promovendo discursos de ódio, que podem facilmente se tornar agressões mais graves neste momento delicado.

Da mesma forma, os ataques de sistemas de infraestrutura, por exemplo, é um tipo de ataque a pessoas que não estão em combate. Quando sistemas da rede de energia e de transporte de uma cidade são derrubados e as pessoas ficam sem acesso à comunicação, alimentos e remédios em razão disso, direitos fundamentais de civis são desrespeitados, como tem-se observado na Faixa de Gaza.

O mesmo acontece quando sites oficiais dos governos são derrubados ou invadidos para a inserção de informações falsas com a intenção de causar pânico social, como os hackers fizeram na invasão do Red Alert ao inserir mensagens de propaganda falsas como “a bomba nuclear está a caminho”.

Não existe saldo positivo e os dois lados saem perdedores

Sempre em que há impacto humanitário envolvido em um conflito, é impossível enxergar vencedores. E a rápida escalada da guerra entre Israel e o Hamas para a um confronto que vem causado graves danos humanitários é a prova cabal e contemporânea de que a ciberguerra paralela que decorre do conflito é tão crítica e um risco aos direitos humanitários em tempos em que a arma é também virtual.

[1] Adotou-se a indicação do conflito entre Israel e o Hamas, pois até o momento a Palestina, como nação, não declarou guerra à Israel, sendo o conflito em andamento direcionado por Israel ao Hamas. Nota-se que, apesar que não haver direcionamento do confronto à nação Palestina, é impossível que ela não seja envolvida na guerra, ainda que de forma involuntária.

[2] FERNANDES, J. P. T. O direito internacional humanitário e a emergência da ciberguerra. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 9, n. 2, p. 11-24, jul./dez., 2012.

[3] Observa-se que a Palestina não é um Estado reconhecido internacionalmente, embora seja uma nação. Daí a importância de se apontar que o conflito entre Israel e Palestina seria um conflito entre um Estado e uma Nação – embora neste texto adotou-se o posicionamento de conflito entre Israel e o Hamas. Hamas não é uma nação, muito menos um Estado.

[4] Lévy, P. A inteligência coletiva por uma antropologia do ciberespaço. São Paulo: Loyola, 1998.

[5] FERNANDES, J. P. T. O direito internacional humanitário e a emergência da ciberguerra. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 9, n. 2, p. 11-24, jul./dez., 2012.

Autor

  • Larissa Lotufo

    Larissa Lotufo atua há mais 10 anos no mercado de negócios digitais, contribuindo com informação descomplicada e estratégica sobre legislação, segurança da informação e proteção de dados pessoais. Prêmio MVP E-commerce Brasil 2019. Leitura Recomenda do STF 2020. Já realizou publicações em mais de 10 livros e ebooks nacionais e internacionais, publicou diversos artigos em jornais e portais, além de ministrar palestras e treinamentos sobre cibersegurança, negócios e diversidade.

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